São Paulo. Mesa de um bar coxinha no Itaim, tarde de um
sábado cinzento e abafado de verão. Bares desse tipo são a cara de São Paulo:
lotados de filhos de família boa, formados na GV ou na FAAP, bebericando “brejas”
e outros drinks, comendo essas coisas que agora gostam de chamar de “finger
food”, conhecidos como petiscos lá na minha terra.
Elas conversam despretensiosamente na mesa, sobre tudo e todos.
Observadas e cortejadas por alguns caras das mesas ao lado. Que se aproximam.
Uma mesa cheia de publicitários, com seus trinta e poucos, amigos há uns 15 anos
que se encontram todos os anos nesta mesma época. São bonitos, interessantes e
parecem ser bem de vida. Casados. Estão meio bêbados, daquele jeito que deixa
os homens xavequeiros de vigésima categoria. Desses que chamam a gente de
princesa ou coisa do tipo.
Elas olham as alianças e trocam um olhar de amigas
cúmplices, como quem diz “Ok, vamos ver até onde esses babacas vão”. Homem com “alvará”
é o tipo mais escroto que existe e apesar de serem muito sem preconceitos ou
tabus, sempre tiveram isso claro. “Cara casado é enrosco, não adianta!”, era
esse o papo antes deles chegarem, inclusive. Mas resolveram dar trela. Um
criativo de uma grande agência e um diretor de marketing de uma grande rede de
restaurantes. Cacifes altíssimos. Alianças que brilhavam tal qual os olhos
deles para cima das moças solteiras. Conversaram. Muito, sobre tudo, por horas.
O bar encheu e esvaziou muitas vezes. Elas continuaram lá, rindo, cruzando
pernas e jogando cabelos. Se divertindo. Eles pedindo chopps e soltando
galanteios baratos entre um assunto e outro. Se iludindo. Acreditando de
verdade que a noite do alvará renderia um motelzinho fora da rotina. Típicos
publicitários, típicos paulistanos. Desenvolveram horas de assunto, sobre como
esta cidade move o país e como é cruel viver aqui. Sobre como são infelizes no
casamento e sobre como a velocidade de São Paulo nos corrompe. Sobre como fomos
criados para sermos os melhores, sobre o trânsito da Marginal, sobre não ter
filhos porque não teriam tempo para ficar com eles. Sobre como suas esposas,
também publicitárias, estavam mais preocupadas em conquistar contas novas de 2
milhões de dólares, do que fazer sexo com eles em uma tarde de sábado chuvosa. Elas
ouviam, pacientemente, fingindo algum interesse naquele papo de paulistano
mauricinho. Homem é muito fácil de enganar, basta uma gargalhada e um olhar
sexy clichê. Publicitários então... porque no fundo, no fundo, todo
publicitário acha que é muito desejado.
Ofereceram um after em um dos restaurantes da rede do
diretor de marketing. Elas se olharam novamente e "Por que não?", aceitaram. Pediram a conta,
brigaram para pagá-la, afinal não eram mulheres de dever conta para ninguém.
Eles não permitiram. Já estavam perigosamente bêbados. O que aconteceria se
suas esposas o vissem naquela situação? Pagando contas de desconhecidas,
contando que elas não davam para eles direito? Cambaleando e balbuciando a
placa do carro para o manobrista? Elas se questionaram sobre isso e concluíram:
matariam esses filhos da puta.
Iam seguindo um ao outro, cada um em seu carro.
Afinal, ninguém nasceu ontem e uma carona com um inconsequente desses é
sentença de morte, ou no mínimo um fora extremamente constrangedor. Saíram com seus
carros, entraram na Juscelino. Em tempos de Lei Seca, esses caras seriam
presos numa blitz, certamente. No primeiro farol, um pequeno acidente de trânsito. Bateram o SUV
blindado de um deles no carro da frente. Aparentemente, nada grave. Mas toda a função de
para o carro, descer, olhar... Tempo suficiente para que elas finalmente se
livrassem daqueles babacas. Uma ligação “Amiga, eles bateram?” “Sim” “Tá
ficando puxado né? Vamos embora?” “Ai, vamos. Casa em 3, 2, 1”. O farol abriu,
elas se embrenharam nos carros e sumiram, independentes e livres, como sempre
foram. Eles, sem alvará, estão até agora tentando explicar para suas esposas
publicitárias renomadas por que chegaram assim em casa.
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